quinta-feira, 28 de abril de 2011

Formas inadequadas de comer e suas influências

São várias as formas inadequadas de comer e, na maioria das vezes, elas refletem muito mais a desorganização da vida pessoal do qualquer outra coisa... Quando as pessoas descrevem seu dia-a-dia alimentar, elas nos dão a impressão de que comer passou a ser uma banalidade. Ouvimos relatos de longos períodos de jejuns, intercalados por beliscos, estrategicamente esquecidos nos relatórios alimentares, muita necessidade de comer chocolates e muita dificuldade em fazer refeições bem definidas. A história mais comum é a de pessoas que passam o dia negligenciando as refeições, por falta real de tempo ou por verdadeiro desinteresse em fazê-las. As pessoas não têm fome para encarar um prato de comida, mas também não tem saciedade para recusar uma guloseima. Com os longos períodos de restrição, essas pessoas, quando param para comer, comem em exagero, o que geralmente coincide com a folga noturna.

Essa descrição não se traduz numa "síndrome do comer noturno", não se caracteriza como um "transtorno da compulsão alimentar periódica". Portanto, não pode ser confundida com um transtorno alimentar. Muitas vezes, esses pacientes chegam ao consultório dizendo-se compulsivos, mas o que impera, na maior parte de suas vidas, é uma grande desorganização. Sentem muita fome à noite. Provavelmente, porque interromperam a correria diária, porque ficaram sem comer várias horas, não fizeram nenhuma refeição bem definida e comeram apenas alimentos que induzem saciedade rápida e fugaz. Muitas vezes, em casa, a desorganização continua, pois geralmente não há uma refeição noturna definida como jantar, dizem que preferem um lanche, mas seus lanches começam quando chegam em casa e terminam quando vão para a cama. 

Assim, padrões alimentares que fogem do normal, na maioria das vezes, não são transtornos alimentares. São frutos da correria e do estresse da vida moderna e embora não sejam considerados doenças psiquiátricas, podem ser muito importantes devido ao impacto que causam à saúde e ao peso das pessoas. Comportamentos alimentares inadequados também dificultam muito a aderência dos pacientes às orientações nutricionais e interferem negativamente nos tratamentos para a perda de peso.

O que se considera um padrão alimentar normal? 
Apesar dos diferentes hábitos familiares e culturais, o padrão alimentar, em termos biológicos, é regido pelos sinais de fome e saciedade. Comemos quando os gatilhos de fome são acionados e fazemos pausas alimentares, mais ou menos definidas, durante o período de saciedade induzidas pelo alimento ingerido. Aparentemente, todo esse mecanismo é regulado por fatores hormonais, pelo tipo de alimento ingerido e pela própria rotina das pessoas. 

Vários hormônios já são bem conhecidos pelo papel que desempenham em estimular o apetite, como a grelina, produzida pelo estômago, ou em causar saciedade como a leptina, produzida pelas células gordurosas. Dentre os alimentos, as proteínas são as campeãs de causarem saciedade mais prolongada e os menos sacietógenos são os carboidratos. Um exemplo disso é a rapidez em que a fome reaparece, após um prato de macarrão. 

Um padrão alimentar considerado normal envolve as três principais refeições: café da manhã, almoço e jantar, com 2 a 3 pequenos lanches intermediários. Além das refeições regulares, há ainda que se considerar o volume das mesmas, uma vez que casos de doenças, como na Anorexia Nervosa, as pacientes até respeitam a regularidade das refeições, mas comem em quantidade infinitamente menor do que necessitam para manter a saúde e o peso ideal. No outro extremo, estão pacientes com comportamentos alimentares ditos não convencionais, que comem grandes volumes de alimentos, respeitando as várias refeições do dia, levando-os inexoravelmente ao sobrepeso e à obesidade. 

Deslizes não podem ser confundidos com compulsão alimentar
Comer muito, de vez em quando, pode ocorrer com qualquer um de nós, principalmente quando temos um dia atribulado, mal deu tempo para um copo de leite de manhã, o almoço passou em branco e engolimos algumas bolachas entre um e outro compromisso à tarde. Chegamos em casa "varados" de fome e não conseguimos nos saciar com o prato normal do jantar ou com o lanche que normalmente ingerimos. 

Comer muito, de vez em quando, pode também ocorrer normalmente quando nos deparamos com aquele prato especial e muito saboroso no domingo, ou com aquela sobremesa com a qual somos presenteados de vez em quando, em reuniões familiares.

Assim, após o jejum prolongado ou diante de uma comida muito saborosa, não há nada de errado em comermos em demasia e a única sensação ruim que tais situações podem causar é dificuldade digestiva, além de alguns quilinhos a mais.

Há ainda os que comem mais em ocasiões aflitivas, quando enfrentam algum problema ou quando são expostos a situações que geram ansiedade. Mesmo nesses casos, não encontramos os dados necessários para o diagnóstico do Comer Compulsivo. Aqui, não há a periodicidade dos episódios e a associação a situações especiais de tristeza ou ansiedade fazem deles quase que um ato de compensação da dor ou da tristeza. 

O Comer Compulsivo não é nada disso. Os episódios compulsivos não são simplesmente comer muito, em pequenos espaços de tempo. Há algumas características desses pacientes que traduzem a gravidade do problema. Entre elas, a freqüência dos episódios, no mínimo 2 vezes por semana; a sensação de perda do controle sobre a alimentação; a ingestão rápida de alimentos pouco palatáveis e o comer sem fome. Entretanto, a característica mais marcante desse tipo de transtorno alimentar é a sensação de culpa e angústia geradas pela forma anormal de se alimentar. Come-se até se sentir desconfortavelmente empanturrado, até a dor física.

Hábitos alimentares que podem ser corrigidos

Comportamento beliscador 

São os pacientes que afirmam categoricamente que não comem muito, simplesmente porque eles estão se referindo a suas refeições básicas. Elas realmente são de pequeno volume ou mesmo ausentes. Esses pacientes dizem não ter fome e já começam seu dia omitindo o café da manhã. Daí por diante, passam o dia se alimentando de pequenos volumes de guloseimas. São bolachinhas, castanhas, barrinhas de cereal, balas, paçoquinhas, chocolates e até mesmo várias porções de frutas. Somando tudo isso, eles geralmente comem muito mais calorias do que se estivessem fazendo suas refeições básicas. Não têm fome para elas, mas também não conseguem rejeitar esses pequenos beliscos. 

Esses pacientes sentem sempre uma necessidade imensa de comer "algo", o tempo todo. Enquanto dirigem, trabalham no computador ou assistem TV. Eles estão sempre comendo. Há sempre um alimento a ser beliscado na bolsa, na gaveta do escritório, no porta luvas do carro e seus carrinhos de supermercado são abarrotados deles. 

Esses pacientes devem ser orientados no sentido de conseguirem iniciar seu dia fazendo um desjejum completo. Isso, teoricamente, poderia evitar os beliscos da manhã e fazer com que eles sintam a tão normal fome na hora do almoço. 

Comportamento hiperfágico 
São os pacientes famintos. Geralmente, fazem as refeições básicas e muitas delas em grandes volumes. A maioria não faz os lanches intermediários, não beliscam e são os "bons de garfo". Eles se gabam de gostar muito de comer e comerem de tudo. Mesmo assim, raramente trocam sua refeição básica por um lanche. Esses pacientes se beneficiam muito com a inclusão dos lanches intermediários na dieta, que diminuem a fome durante as refeições principais e conseguem reduzir o total calórico de seus pratos ao aumentarem o consumo de verduras e legumes. 

Comportamento desorganizado 
Esses pacientes simplesmente não têm um padrão alimentar. Sentem fome, mas não têm rotina. Ora eles atendem à sua fome, ora negligenciam esse sintoma e passam muito tempo sem comer. Eles simplesmente não têm uma programação alimentar e podem fazer um lanche num vendedor ambulante, quando essa situação lhes é propícia, como podem comer em um bom restaurante. Mas tanto faz... Apesar de perceberem quando um alimento é bem preparado, isso não os estimula a procurar uma forma melhor de se alimentar. Eles acham muito trabalhosos os cardápios, por mais simples que sejam. Não têm rotina alguma, nem estão dispostos a mudar seus hábitos. São tão desorganizados a ponto de passar o dia todo sem comer e, muitas vezes, não se lembram do que comeram no dia anterior, revelando o fato de não darem nenhuma importância a esse detalhe. Geralmente, comem muito à noite, mas também sem uma refeição planejada. Esse talvez seja o paciente de mais difícil tratamento, pois, raramente, conseguimos sua adesão a um plano alimentar.

Comportamento sofisticado 
São pacientes que fazem todas as refeições diárias. Raramente beliscam e não fazem grandes pratos, mas não conseguem comer preparações pouco elaboradas. Sofisticam seus pratos com a adição de diferentes tipos de queijos, castanhas e nozes, cremes de leite, frutas passas, bons azeites em quantidade. Além disso, adoram serviços completos com entrada, prato principal, bons vinhos, sobremesa, café e um bom licor para arrematar. Esses pacientes não têm preguiça para programar um jantar, minuciosamente. Fazem com grande prazer e esmero. Cozinham bem ou conseguem quem o faça, mas não abrem mão da sofisticação, geralmente atreladas às calorias.

Nesses casos, precisamos convencê-los a usar ervas aromáticas e temperos como alho e cebola, reduzir a quantidade do azeite, deixar os queijos para ocasiões especiais e investir em sobremesas diet. Precisamos desafiá-los a continuar cozinhando tão bem, mas com menor teor calórico, o que para eles passa a ser estimulante e pode até dar certo.

Padrões alimentares mistos
Não raramente encontramos pacientes com comportamentos alimentares tão confusos que, muitas vezes, não sabemos categorizá-los. Além do mais, muitos não definem claramente suas formas de comer e aparentam nunca ter pensado no assunto. Simplesmente não sabem nos dizer como se alimentam. Neste grupo encontramos alguns pacientes que, à primeira vista, parecem mentir. A descrição deles não condiz com seu peso corporal. Não encontramos também em seus exames e história médica nenhuma alteração que justifique seu peso. Diante destas pessoas, estamos diante de um dilema, pois quando não encontramos o erro alimentar, não temos como corrigi-lo. Nossa grande meta, diante de queixas de aumento de peso "injustificado", é sempre tentar decifrar os hábitos alimentares dos nossos pacientes, pois só assim, poderemos encontrar uma forma possível de acolhê-los
e tratá-los.

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